sexta-feira, 27 de março de 2009

Cinema - Folha Online



"Che foi meu personagem mais difícil", diz Benicio Del Toro

SILVANA ARANTES da Folha de S.Paulo

"Como se sente sendo um símbolo?", pergunta a repórter de TV ao guerrilheiro Ernesto Che Guevara (Benicio Del Toro), em "Che", épico do americano Steven Soderbergh, cuja primeira parte --"O Argentino" (2h06)-- estreia hoje no Brasil. É 1964, e Che está em Nova York, onde desafiou a assembleia da ONU com um discurso afirmativo da Revolução Cubana, incluindo a execução de dissidentes: "A pátria ou a morte!".
Benicio Del Toro disse que interpretar Che Guevara foi seu trabalho mais difícil Del Toro, 42, nascido em Porto Rico e criado nos EUA, fala sobre como foi dar corpo ao símbolo Che, na entrevista a seguir, feita durante a Mostra de Cinema de São Paulo, em outubro passado.


Folha - Notou diferença ao interpretar um personagem que de fato existiu em relação aos ficcionais?
BENICIO DEL TORO - É diferente, pela responsabilidade com a história. É mais rígido. Você não pode sair da raia, porque as raias da história se mantêm.Em "The Wolf Man" (o homem-lobo), que fiz depois, podia inventar tudo. Se quisesse ficar de ponta-cabeça e falar, podia. Com Che, isso não é possível, porque se trata de um personagem histórico e nós decidimos respeitar a história.Folha - Alguns críticos avaliam que esse é "o" personagem de sua carreira. De um lado, é um elogio; de outro, soa como uma aposta de que tudo o mais será menor em seu percurso. Como se sente a respeito?
Del Toro - Sem dúvida é o papel mais importante, o mais difícil, o mais compromissado que fiz até agora --por ser latino-americano e pelo momento que vivemos. Mas não é o papel da vida de alguém, porque a vida dá voltas e a gente tem vontade de fazer outras coisas, além de ser ator. Ainda quero fazer meus próprios contos e, em algum momento, trabalhar como diretor.Folha - Em que sentido esse foi seu trabalho mais difícil?
Del Toro - Foi o mais difícil não apenas física, mas intelectualmente. O discurso dele diante das Nações Unidas é quase shakespeariano. É um espanhol muito intelectual, por isso é difícil. Esse personagem exige uma fusão de talentos, como se você tivesse que ser Gregory Peck e Steve McQueen, juntos.Outra coisa difícil foi a pesquisa. Como os atores gostam de fazer pesquisa, neste caso era um trabalho infinito. Sei muito sobre Che na fase que o filme abarca. Mas você me pergunta o que sei sobre a vinda dele ao Brasil [em 1961] e me dá vontade de ligar para os pesquisadores em Cuba e perguntar.Folha - Durante essa pesquisa para o filme, você tentou conversar com o pintor Ciro Bustos, apontado como delator de Che?
Del Toro - Não. Não tentamos contatá-lo e não houve uma razão especial para isso. Tivemos bastante contato com Debray [Régis, filósofo marxista francês, entusiasta da guerrilha], com Benigno, com Urbano e com Pombo [guerrilheiros que escaparam ao cerco a Guevara]. Faltou um [Bustos].Conheço bem a história dele, sei que passou por muita coisa. Não o julgo nem tampouco o filme o julga. É muito difícil acusá-lo de traidor. Ninguém sabe como se comportaria sob tortura. Respeitamos isso, de uma maneira muito humana.Agora, que ele fez os desenhos [de Che na selva boliviana, que estavam em poder dos militares que assassinaram o guerrilheiro] é um fato. Não se pode negar e isso está no filme.Folha - Quanto de seu desempenho como Che se deve à direção de Steven Soderbergh?
Del Toro - Pelo menos 50%, porque muitas vezes não estou atuando; estou reagindo. Steven vai tão rápido que, às vezes, você não pode atuar. Ele vai te dar uma ou duas chances [para acertar]. Então, é melhor reagir do que atuar, porque senão você pode exagerar na atuação.Folha - Das vezes em que foi a Cuba pesquisar sobre Che, quantas encontrou-se com Fidel Castro?
Del Toro - Uma.Folha - Como foi o encontro?
Del Toro - Curto. Havia uma feira de livro. Eu iria embora no dia seguinte. Recebi um telefonema. Fui. Encontrei Fidel e Hugo Chávez. Foi curto. Ele sabia do trabalho que estávamos fazendo. Ficamos de conversar sobre Che quando eu voltasse. Mas, quando voltei, ele já estava doente. Pelo menos estive com ele, o vi...Folha - O que você achou da atuação do ator mexicano Gael García Bernal como Che em "Diários de Motocicleta" (2004), dirigido por Walter Salles?
Del Toro - Muito boa. Gosto muito. Mas o Che de Gael é um Che diferente, porque está se formando. Por isso gosto tanto, por ser um Che de outra época. Não sou o mesmo Benicio Del Toro de quando tinha 18 anos. Há coisas que ficaram, mas não sou a mesma pessoa.
Folha - Qual é sua opinião sobre Rodrigo Santoro, que interpreta Raúl Castro no filme?
Del Toro - É um guerreiro. Batalha. Tem muita tenacidade e consegue o que quer. É algo que também tenho. Eu me vejo muito nele. Eu sou Del Toro. Ele é San-Toro. Temos essa coisa de ser cabeça-dura. Os guerreiros são os que vencem.

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