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"(...) De um modo geral não gosto nem da noite, nem do dia.Faltam-me sugestões e apelos. Mas não gosto, principalmente, desta hora em que vivo. Esta hora em que o tempo se faz hermafroditae adquire uma coloração menstrual sob a minha cabeça e sob a cabeça da lua que não vejo, mas pressinto.
(...) Se eu fosse um jovem líder político em defesa da liberdade e do fim das diferenças sociais, eu iria procurar meus companheiros e - sob os aplausos gerais - escreveria um panfleto contra o governo e depois esperaria até transformar-me em governo também, ocasião em que riria de outros panfletos escritos por outros jovens.
(...)"Não quero namorar o Poder, aninhar-me sob as suas asas sufocantes ou beijar o seu bico venenoso e putrefato. Não quero mais ser lúcido, pois sendo tal, qual a lição que poderei deixar a outros - como eu - surpreendidos neste jogo que ninguém pediu para jogar?... Quero a liberdade da falta de dignidade que é a dignidade total. A liberdade do inválido. A liberdade, mesmo que que à custa de porradas. Fazer da minha dependência a minha independência e da minha prisão, a minha liberdade. Não quero estar ligado simbolicamente aos animais que ocupam posições. Não quero mais a segurança perdida, mas sim perder e confundir a amada segurança deste Mundo de imitação. Não buscarei mais auxílio, pois o preço a pagar é muito alto: é o preço da sempre finginda independência dependente de um beijo, de um pedaço de pão, de uma punheta ou de uma oração. Nem tampouco me levantarei desta poça de sangue e sujeira, pois se Deus está dentro de mim, espero que também esteja sujo, sangrento e ferido. Que a humanidade afaste essa sociedade que pinta um sorriso de mel sobre a lepra e venha buscar o seu filho pois ele não sairá daqui. (...)
Já não posso mais olhar para a vida que se joga, vence e perde.
(...) Prefiro olhar o rato que passa neste momento pelo meu nariz e me olha, sem medo, com reconhecimento. Ele sabe que os gatos são seus inimigos e eu sei que os homens são meus inimigos, e nós os ratos não combatemos.
Mas eis que Deus se aproxima descansando sobre as suas cem patas".
FAUSTO WOLFF
O ACROBATA PEDE DESCULPAS E CAI
ED.JOSÉ ÁLVARO - 1966
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