quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Cordel











O dia em que Michael Jackson
fez Ariano Suassuna dançar rock
a cidade de Taperoá

Autor: Domingos Alexandre







Um dia Taperoá,
No Sertão paraibano,
Ficou toda em polvorosa,
Pois um grande aeroplano,
Sobrevoando a cidade,
Trazia uma novidade
Dessas de lascar o cano.


Era o tal de Michael Jackson,
Esse gringo abilolado,
Criador do hip hop,
grande cantor e tarado,
que chegava de avião
pra conhecer no Sertão
seu mestre mais afamado

Ouviu falar de Ariano
Nos States, certo dia.
Diziam de sua fama
Em tudo que é cantoria,
Do seu gosto pela dança
E de tudo que é lambança
Em matéria de poesia.

Falavam que o velho Mestre,
Bonita figura humana,
Era doido por rabeca,
Um instrumento bacana
Mas detestava algazarra
E via em toda guitarra
A influência “americana”.

Que era inimigo do rock,
De hip hop e do funk,
E de quase todo som,
Inventado pelo ianque
Mas que gostava de olhar
Chico Science cantar
Com seu jeito meio punk.

Diziam que até no enterro
De Chico, havia chorado,
Passava um lenço nos olhos
Com ar meio desolado,
E vendo o povo sofrendo
Se lamentava dizendo:
Era um artista arretado.
E diante de tudo isso
Michael Jackson pensou,
Esse poeta da peste
Precisa saber quem sou
E eu também quero saber
O que ele tem pra dizer,
E das coisas que criou.

Ligou pro seu empresário
E disse: vou visitar
Esse cara no Brasil
Onde pretendo cantar,
Vou fazê-lo dançar rock,
E depois de ouvir meu toque,
Sei que ele vai adorar.

Também quero conhecer
O que se dança por lá,
Ouvir as canções da terra
E aprender o bê-a-bá
De como tocar rabeca.
Vou soltar a perereca
Nessa tal Taperoá.

Mandou preparar um jato
Com todas as mordomias,
Comida e muita bebida
E muitas camas macias,
Porque por essa andanças
Costuma levar crianças
Para suas fantasias.

Logo no dia seguinte
Ele partiu em viagem,
Levava uma super-banda,
Música em alta voltagem,
E um crioulão bem sarado
Que durante o seu traslado
Ia fazendo massagem.

Seu avião cor de rosa,
Trazia a bandeira gringa.
Sobrevoou a cidade
Vindo de Taquaritinga,
E apesar do desconforto,
Por falta de aeroporto,
Aterrissou na caatinga.

A matutada correu
Pra tomar conhecimento
Dessa grande novidade,
O extraordinário evento
Do americano famoso
Que chegava, curioso,
No meio de um pé de vento.

E vinha numa missão:
Conhecer mestre Ariano,
Trocar idéias com ele,
Conversar no mesmo plano
E fazer o aprendizado
Daquilo que é mais dançado
No Sertão paraibano.

Lá na cidade reinava
Já a maior confusão,
Michael Jackson, dançando,
Foi descendo do avião
E logo atrás dele vinha
Uma enorme criancinha
Segurando sua mão.

Alguém foi logo avisar
Mestre Ariano, que estava
Sentado no copiar
Da fazenda, onde criava
Umas cabrinhas de leite
E para maior deleite
Sua rabeca tocava.

E o Mestre ficou atento
Pra tudo que acontecia,
Mandou colocar na mesa
Todo tipo de iguaria.
Mandou comprar pão rosquinha
Pro bando de criancinha
Que Michael Jackson trazia.

E lá foi Michael saindo,
Cheio de contentamento,
Com uma capa amarela
E o cabelo solto ao vento
Após descer do avião
Bateu com os pés no chão
E disse: Hoje eu arrebento,

Sua orquestra vinha atrás,
Crianças de ambos os lados,
E a banda da prefeitura,
De instrumentos afinados,
Vendo o povo se juntando
Foi logo homenageando
Com as notas de um dobrado.

Michael Jackson ficou
Grato com a recepção,
Contemplou admirado
A paisagem do sertão
E ficou mais satisfeito
No momento em que o prefeito
Veio apertar sua mão.

Dali ele foi levado
Para a casa de Ariano
Que o recebeu com o carinho
Que todo paraibano
Em nenhum momento hesita
Em dedicar à visita
Que lhe faz um ser humano.

A multidão curiosa
Ia seguindo o cortejo,
O gringo desenrolado,
Dançava e soltava beijo
E pra quebrar o tabu,
Em vez de “how do you do’,
Falou como sertanejo

Mas Ariano ladino,
Disse com ar meio zen:
Você não é o pretinho
Que um dia cantava “Ben”?
A sua pele era escura
Porque toda essa brancura?
Me diga de onde ela vem.

Aí Michael respondeu,
Com a maior singeleza,
Que seu pai era francês
E sua mãe holandesa.
Ele nasceu bem pretinho,
Mas foi ficando branquinho,
Por obra da natureza.

Ariano achou aquilo
História pra boi dormir,
E só por delicadeza,
Resolveu não insistir.
Mas vendo aquela brancura
Numa pele que era escura,
Se controlou pra não rir.

Michael Jackson depois
De sua apresentação,
Apresentou as crianças
Que trazia pela mão
Então pediu a rabeca
E com jeito na munheca
Compôs logo uma canção.

E disse: Mestre Ariano
Eu respeito seu talento,
Mas me amarro na guitarra
Que eu acho um belo instrumento
E se me levo da breca
Também toco uma rabeca
Sem nenhum constrangimento.

Ariano olhou pra ele
Já meio desconfiado
Mas deixou que ele seguisse
Com aquele palavreado.
Não tinha nenhum engano,
Jamais esse americano
Ficaria do seu lado.

Para evitar que a conversa
Fosse ficando comprida
Pediu que o Gringo dançasse
Sua dança preferida.
Depois de uma roda aberta
Michael Jackson liberta
A franga nele escondida.

E a platéia embasbacada
Com tanta descontração
Ficou olhando pro Gringo
Ali virado no cão.
A banda tocava Thriller
E o povo em vez de um desfile
Via aquela confusão

Michael Jackson dançava
Dando gritos e gemidos,
Deslizava feito um louco
Com os braços estendidos
Ia pra frente e voltava
E vez em quando passava
A mão pelos “possuídos”.

Ariano vendo aquilo
Ficou meio encabulado
E disse, sem titubeio:
Isso é dança de veado.
Aqui na minha cidade
Dançarino de verdade
Tem que dançar é xaxado.

Aí o Gringo fitou
Bem nos olhos de Ariano
E disse todo excitado:
Vamos com calma, seu mano!
Me ensine essa sua dança
Que eu danço desde criança
E com nenhuma me engano

Ariano então chamou
O Antônio Carlos Nobréga
Que bem pertinho dali
Bebia numa bodega.
Ele foi vindo maneiro
Xaxando todo banzeiro
Para ensinar ao colega

Michael Jackson achou
Aquela dança engraçada
E enquanto Antônio arrastava
Os pés na terra da estrada
Ele foi logo imitando,
E os dois ficaram dançando
Xaxando e dando umbigada.

Ariano viu aquilo
Com grande satisfação
O Antônio Carlos Nobréga
Que era sua criação
Ensinando ao gringo ousado
O legítimo xaxado
Dos cabras de Lampião.

E Taperoá inteira
Parou pra ver a folia,
O gringo arrastava os pés
Se rebolava e gemia
Mas não perdia o trejeito
De passar a mão, com jeito,
Onde o pinto se escondia.

Antônio Nobréga olhava,
Um pé na frente outro atrás,
Aquele gringo dançando
Virado no Satanás,
Mas ria da aplicação
Com que ele passava a mão
Pelas “partes genitais” .

Aí então Michael Jackson
Disse para seu amigo
Você me ensinou xaxado
E eu a ensinar-lhe me obrigo.
Eu danço e você me segue
E veja então se consegue
Dançar um roque comigo.

Foi quando Antônio Nobréga
Disse: meu Deus, ai de mim!
Eu não enjeito parada
E vou dançar mesmo assim.
Então a banda afiada,
Em uma nova levada,
Atacou de Billy Jean.

E foi de dar gosto ver
Aqueles dois dançarinos,
O ianque e o pernambucano
Brincando feito meninos,
Dançando um rock infernal
E o povo achando legal
Os dois soltando seus trinos.

Michael Jackson cantava
E girava a mais de “cem”
Passava mão por “aquilo”
Durante esse vai-e-vem,
Antônio dava gemidos
E a mão pelos “possuídos”
Passava, às vezes, também.

Nunca ninguém no Sertão,
Dentro de sua cultura,
Imaginou que viria,
Um dia, aquela mistura
De rock’n’roll com xaxado
Num casamento aloprado
Livre de qualquer censura.

Ariano por seu lado
Não cabia de contente
Vendo o norteamericano,
No meio da sua gente,
Dançando com o seu pupilo
E seguindo o mesmo estilo
Só que um pouco “diferente”.

Depois de toda essa graça
O povo inteiro aplaudiu,
Distribuiu-se cachaça
E a festa então explodiu,
Bebeu-se a tarde inteirinha
E quando era já noitinha
Michel Jackson partiu.

Mas o certo é que ficou
Radiante de alegria,
Antes nunca havia estado
Em tão bela companhia.
Tomou a mão de Ariano,
Apertou e disse, mano,
Vou ler sua poesia.

Ariano deu-lhe um abraço
E disse: Gringo danado
Você dança bem o rock
E foi brilhante em xaxado,
Apesar do pouco treino.
Quero na Pedra do Reino
Tê-lo como convidado.

Lá eu crio uns cabritinhos
E passo os fins de semana,
Quero que você conheça
A minha Onça Caetana,
Ela é bonita e mansinha,
Mas se mexem com a bichinha,
Se transforma na goitana.

Michel Jackson agradeceu:
Fica para um outro dia,
Mas lá na Terra do Nunca
Quero sua companhia,
Pra receber meu carinho
E conhecer o trenzinho
Que me “enche” de alegria.

Mestre Ariano aceitou
Esse convite sincero
E disse: A Terra do Nunca
Visitar um dia espero.
Mas em vez desse “ trenzinho”
Eu prefiro o meu “carrinho” .
E deixe de lero-lero.

E feitas as despedidas
Michael Jackson saiu,
Entrou no grande avião
E a comitiva o seguiu.
Depois de um resfolegado
Aquele bicho pesado
Levantou vôo e subiu.

Já era escuro e a cidade
Via com grande emoção
Aquele pássaro enorme
Roncando como um trovão,
Cheio de janela acesa,
A espalhar sua beleza
Pela noite do Sertão.

Ariano emocionado,
Logo se refez do choque.
Ter visto o gringo xaxando,
Sem merecer um retoque,
Lhe deu uma tentação,
Encarou a multidão,
E saiu dançando um rock.

Antônio Carlos Nobréga,
Esbaforido e suado,
Olhava para seu Mestre
Com olhar arregalado
E lhe disse, com respeito,
Mestre, você leva jeito
Até pro “rock pesado”.

Ariano respondeu:
Antônio, que gostosura,
Esse ritmo danado
Mexeu com minha estrutura,
E a rabeca, embora eu toque,
Meu negócio agora é rock
E o resto é literatura.

E dizem que depois disso
Nessa parte do Sertão
A guitarra com a rabeca
Se uniram numa fusão
E um novo som foi criado
Um tal de rockxaxado
Que deixa o povo doidão.

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