À ESPERA DO PAI
por Leonardo Boff
Assisti algumas vezes o filme do cineasta brasileiro Walter Salles, Central do Brasil.
Trata-se da história comovente de um menino, órfão de mãe no Rio, cujo pai vive no Nordeste, marcineiro mas entregue ao alcoolismo. Uma ex-professora primária que escrevia cartas a pedido de analfabetos lhe serve de guia. O menino quer porque quer conhecer o pai distante. A professora o acompanha numa viagem atribulada até identificar a casa onde o pai vivia no sertão nordestino. Ao chegar, descobre que o pai saira em busca do filho no Rio. Imenso qüiproquô: o filho sai do Rio e vai em busca do pai no Nordeste e o pai sai do Nordeste e vai em busca do filho no Rio. A história termina num impasse. Ninguém encontra ninguém. Mas ambos ficam esperando. Esse filme, premiado pelo mundo afora, representa uma brilhante metáfora da figura do pai ausente e do filho abandonado. Todos dizem ao menino que o pai não vale nada. Mas não importa. Ele corre atrás do arquétipo do pai. E o arquétipo é uma força poderosa que move as pessoas em busca do pai real. Nele quer encontrar o herói, a referência básica, o sentido de orientação, o respeito aos diferentes e o aprendizado de limites necessários para a convivência. Se o filho precisa de orientação, o pai sente o dever de oferecê-la. Só nesta conjunção entre a necessidade de um e o dever do outro, se dá e se criam as condições para uma educação adequada do filho, até ser pai de si mesmo. Hoje há um sofrido eclipse da figura do pai. Por força do trabalho e de injunções sociais, ele está largamente ausente de casa. O filho sente um vazio que ninguém pode preencher. O conhecido psiquiatra infantil Donald R. Winnicott nos mostrou detalhamente como funciona a lógica psíquica nos dois a três primeiros anos de vida de uma criança. Primeiro, comparece a influência da mãe que lhe garante o sentimento de acolhida e de amor incondicional. Daí resulta a auto-estima e a segurança da criança. Em seguida, surge a figura do pai. Ele é a ponte entre o universo familiar e o mundo dos outros e da sociedade em geral. A criança entra num processo de estresse e de medo. Deixa o útero aconchegante da família e ingressa num mundo onde há diferenças, normas e conflitos. É função do pai ajudar o filho a fazer bem esta travessia, na qual deve sentir-se seguro, reconhecer e respeitar limites e acolher normas que lhe permitem conviver pacificamente com os outros. Hoje ambos, pais e filhos, se encontram em crise. O filho espera o pai que não vem ou que saiu de cena ou que foi substituído pelo herói mais próximo. Este pode ser um professor, um tio querido e até um chefe do tráfico local, portador de arma pesada, capaz de enfrentar a policia e de matar. O filho sem a figura interior do pai-herói, tende a imitar a estes ou padece de um vazio oceânico. Sente-se perdido, sem rumo na vida, psiquicamente desestruturado. O pai que sente, em seu íntimo, seu dever de pai, percebe-se desarmado, vencido por outros concorrentes, enfraquecido em sua honra porque se encontra desempregado e considerado um perdedor. É um anti-heroi. Como pode preencher a necessidade arquetípica do filho que quer ver nele o herói corajoso e vencedor? Ambos estão à espera um do outro com sofrimento e infinita saudade. Agora entendemos a verdade de Telêmaco filho de Ulisses, na Odisséia de Homero: ”Se aquilo que os mortais mais desejam, pudesse ser conseguido num abrir e fechar de olhos, a primeira coisa que eu pediria aos deuses, seria a volta de meu pai”. É um clamor por um rumo na vida. Pai, volte de pressa. Como no filme, teu filho te necessita e te espera com um olhar longo e saudoso no ponto de ônibus.
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